Literatura

Tess of the D'Urbervilles - Thomas Hardy

This edition is the copyright 2004 of Planet Three Publishing Network Ltd. Great Reads.


Romance publicado em 1891. O interesse por este livro se dá pela descrição que o autor faz da viagem de um de seus personagens ao Brasil, como imigrante inglês, chamado Angel Clare, vindo para a região de Curitiba, provavelmente para a colônia do Assunguy no Paraná, conhecida também como colônia de ingleses.


Na primeira parte da obra temos Jack Durbeyfield, um camponês simples, homem de meia-idade, casado, que através do pastor Tringham, descobre que pertence a uma antiga família de nobres ingleses, chamada d'Urbervilles, porém, agora extinta. O pastor o chama de "Sir John"; mas diz a Durbeyfield que "isto agora é um fato apenas de algum interesse para a história local e genealogia, nada mais". Entretanto, aquela história, de ser descendente de uma poderosa família antiga inglesa, muda o modo de pensar do simples camponês. E como consequência, afeta a vida de sua filha Tess (personagem principal deste livro que se casa com Angel Clare). Enfim, a genealogia pode ser uma ferramenta sociológica fundamental para se identificar a estrutura da dinâmica social que envolve famílias, neste caso, famílias poderosas e, ao mesmo tempo, do processo de decadência delas e ascensão de outras.


Outro ponto que impressiona é a descrição do local em que moram os Durbeyfield, a aldeia de Marlott, no Vale de Blakemore ou Blackmoor, Inglaterra (4 horas de Londres) é muito semelhante (ou idêntica?) ao Vale do Ribeira, onde se instalou a colônia do Assunguy (cerca de 106 km de Curitiba) ao final do século XIX. Diz Hardy que a aldeia de Marlott situa-se em meio às ondulações do belo vale de Blakemore, uma região encerrada e solitária, não trilhada ainda em sua maior parte pelo turista ou pintor de paisagens, embora perto de Londres. A aldeia fica numa região montanhosa, de difícil acesso, em que o mau tempo pode prejudicar a viagem, devido suas sendas estreitas, tortuosas e lamacentas. Porém, um vale fértil, mas com poucas terras aráveis, protegido pela natureza e com muitas árvores, com fontes que nunca secam, numa região calcária e muito bela. Era aí que morava Tess. Enfim, toda a história se passa entre os "vales" ingleses, uma região camponesa. Portanto, uma descrição praticamente idêntica ao Vale do Ribeira paranaense e paulista.


Quanto a Angel Clare, é filho de um pastor, mas que não quer seguir a carreira do pai; sendo-lhe, então, negado a faculdade em Cambridge. Mas é um jovem que busca estudar sozinho, em especial filosofia e música, sendo um livre pensador. E suas pretensões são a de aprender a profissão de fazendeiro e assim constituir uma fazenda própria na Inglaterra ou então nas colônias da América. E após desentendimento moral/amoroso com sua esposa Tess, resolve vir para o Brasil, deixando-a.

E no porto de embarque em Londres, parte para o Brasil. E assim Thomas Hardy descreve sua estada no país: "Enquanto isso, os dias de seu marido [Angel Clare] não tinham sido de maneira alguma livres de provações. Naquele momento, achava-se ele abatido pela febre, nas regiões argilosas (clay lands) perto de Curitiba, no Brasil, tendo sido ensopado em temporais e perseguido por outras dificuldades, juntamente com todos os fazendeiros e agregados ingleses que, apenas nesta época, foram iludidos a ir para lá pelas promessas do Governo Brasileiro e por uma suposição desprovida de base de que aquelas pessoas, que tendo-se habituado às terras altas da Inglaterra, haviam resistido a todas as condições atmosféricas a cujos modos tinham nascido, poderiam igualmente resistir a todas os climas pelos quais fossem surpreendidos nas planícies brasileiras" (p.246-247).

O texto não diz claramente ser na colônia do Assunguy que Angel tenha vindo, mas certamente está se referindo aos fatos reais que aconteceram com imigrantes ingleses, e tantos outros, nessa colônia, local de esperança, mas de inúmeras dificuldades e sofrimentos. E, infelizmente, nas terras da colônia do Assunguy, a grande maioria dos colonos não conseguiram o sucesso desejado e planejado, tendo de retornar para o seu país de origem ou a viverem nos arredores das grandes cidades brasileiras.

Angel Clare, entretanto, volta para a Inglaterra. Antes, porém, o autor descreve brevemente a difícil caminhada do "interior" de Curitiba, para o litoral (na qual inúmeros colonos tiveram de realizara por não conseguirem se estabelecer nas terras destinadas a eles). Ao voltar para Inglaterra e chegar na casa de seus pais, a descrição de sua fisionomia é de uma pessoa que teria envelhecido uns doze anos em apenas um que teria ficado no Brasil. Diz Hardy: "As suas experiências naquela terra estranha tinham sido tristes. (...) As multidões de trabalhadores agrícolas que tinham partido para o campo na sua retaguarda, seduzidas pela ideia de fácil independência, tinham sofrido, morrido e se haviam consumido. Costumava ver mães que, saídas de fazendas inglesas, caminhavam pesadamente com seus filhos nos braços, quando a criança atingida pela febre morria; a mãe parava para cavar um buraco na terra solta, com as mãos nuas, enterrava nela o recém-nascido com as mesmas ferramentas fúnebres naturais, deixava escapar uma lágrima e de novo seguia a caminhar" (p.302).

Infelizmente as descrições de Hardy sobre o Brasil são negativas, de colonos enfrentando as intempéries de um país tropical, mesmo que em terras ao sul.

Em contrapartida, é interessante destacar o cotidiano de Tess, enquanto uma trabalhadora do campo que enfrentava os mais rudes e diversos trabalhos nas fazendas dos vales ingleses, em seus diferentes climas, como os invernos rigorosos. Trabalho na queijaria, com as vacas, na fazenda de trigo, com os nabos, do cuidado com a agricultura de subsistência, de sítios etc. Trabalhos tão duros e difíceis, como aqueles que os colonos tinham aqui no Brasil. E da própria descrição da pobreza e das lutas dos camponeses na própria Inglaterra, como exemplo, as condições de vida dos pais de Tess, a morte prematura do próprio filho de Tess (não muito diferente da situação descrita pelo próprio Hardy sobre os colonos ingleses no Brasil). Aqui então poderíamos considerar que a situação dos camponeses na Inglaterra não era tão diferente da situação ocorrida no Brasil para muitos deles.

Pena o autor não descrever mais detalhes da vida de Angel no Brasil, sua tentativa frustrada de ser um fazendeiro em nossas colônias, enfim, imaginar/descrever suas experiências como colono que tanto sonhava ser. Mas pena, realmente, Thomas Hardy não ter "trazido" Tessy para o outro lado do Atlântico, pois, seria extraordinário "ver e sentir" esta mulher fantástica em terras brasileiras e, em especial, no Vale do Ribeira. Nesta terra de oportunidades, com a firmeza e garra de Tess, ela e seu marido Angel Clare seriam em pouco tempo um dos muitos exemplos de sucesso que as terras brasileiras puderam oferecer aos imigrantes.

Outras fontes:

HARDY, Thomas. Tess. Tradução de Neil R. da Silva. Belo Horizonte: Editora Itatiaia Limitada, 1984.

PEREIRA, Magnus R.M. Tess não veio a Curitiba; ou das dificuldades de adaptação dos imigrantes ingleses às colonias agrícolas do Paraná no século XIX. Monumenta. Imigração para o Brasil. Relatório sobre a colônia Assunguy, apresentado a ambas as casas do Parlamento por Ordem de Sua Majestade, Londres, 1875. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1998.


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O Drama da Fazenda Fortaleza

CARNEIRO, David. (1941). O Drama da Fazenda Fortaleza. Curitiba: Edição do Dr. Dicesar Plaisant.


Outro título que destaco é o romance histórico de David Carneiro, O Drama da Fazenda Fortaleza, publicado em 1941, e que mereceria urgentemente uma nova publicação por se tratar da história do Paraná.

O texto a seguir publiquei na introdução do meu livro A Província do Paraná e sua Assembleia Legislativa (1853 a 1889). A força política das famílias tradicionais. (2015, p.13-14):

O romance histórico de David Carneiro (1941), O Drama da Fazenda Fortaleza, reconstrói a história de uma família senhorial em formação, com o senhor proprietário, agregados, escravos, esposa, filha, genro, netos, padres da igreja (poder eclesiástico) e índios. Família iniciada no século XVIII pelo português José Félix da Silva, que pelos seus trabalhos de desbravador, ao requerer uma sesmaria, lhe é concedida uma em 20 de maio de 1788 ao norte da vila de Castro, distante 25 km da localidade de Tibagi, enfim, “afundada” no que seria o “sertão de Curitiba”, que o obrigava a viver em contínuo conflito com índios. Estabelece-se, assim, a Fazenda Fortaleza, nome dado ao verdadeiro forte que ela parecia ser. E pelos seus feitos recebe o título de sargento mor, além de outros poderes na região em que vivia[1]
O romance destaca a prisão de Dona Onistarda Maria do Rosário, esposa do sargento mor José Félix mantida em cárcere domiciliar, por tentativa de assassinar seu próprio marido. Este casamento não havia sido idealizado por ela e, segundo José Félix, ela já teria tido outro homem. José Félix era tido como cruel e, portanto, temido e odiado por todos. A única filha do casal, Ana Luiza, por conta de uma gravidez indesejada, provavelmente com o índio Maha-min, chavante e filho de cacique, acabou tendo de se casar com o fazendeiro de Jaguariaíva, Manoel José do Canto, das fazendas de Luciano Carneiro Lobo. José Felix e Onistarda terão, então, dois netos, Mecia Maria do Canto e Manoel Ignácio do Canto e Silva. Os netos acabaram vivendo na fazenda Fortaleza, devido ao falecimento precoce do pai em 1815. A história é narrada pelo padre Antonio Pompeu, da vila de Castro, que atende sacramentalmente a “isolada fazenda”[2].
Em 1854, por ocasião da primeira eleição para deputado provincial do Paraná, Manoel Ignácio do Canto e Silva irá figurar entre os eleitos à primeira assembleia legislativa provincial. Vitória obtida provavelmente por sua imensa riqueza material[3], experiência em cargos públicos como o de vereador e da guarda nacional, e a proximidade que sua família tinha com tradicionais famílias desta região, como a família do falecido capitão mor de Curitiba, Lourenço Ribeiro de Andrade (avô dos Sá Ribas) e com a família do barão de Antonina (Guimarães)[4]. Depois, a participação na vida política provincial desta família irá se estender a dois genros de Manoel Ignácio do Canto e Silva: o jovem advogado residente na capital Curitiba e depois em Castro, Dr. Laurindo Abelardo de Brito, um dos mais destacados políticos paranaenses, enquanto deputado provincial e deputado geral e, posteriormente, no ápice de sua carreira política, nomeado presidente da província de São Paulo; e o outro genro, futuro barão de Monte Carmelo, Bonifácio José Baptista, grande latifundiário em Castro também eleito deputado provincial no Paraná[5]. Por esse mesmo tempo, Manoel Ignácio do Canto e Silva, já com 67 anos, figurava na lista tríplice dos candidatos ao Senado pelo Paraná em 1876, porém, não acabou sendo o escolhido pelo Imperador D. Pedro II.



[1] José Félix da Silva, já em 28/01/1789, em ata da câmara de Castro, consta seu nome e do capitão Ignácio Taques de Almeida como juízes presidentes da localidade (ambos sesmeiros da região). Ficou como juiz ordinário de Castro até 1793, passando depois a atuar como ajudante de milícias, juiz do conselho e capitão de ordenanças na região. Em 1834, seu jovem neto, Manoel Ignácio do Canto e Silva, com 25 anos, já estará atuando como vereador e presidente da câmara de Castro (http://www.camaracastro.pr.gov.br/atas/ - Acesso em 15/07/2003).
[2] Este romance histórico tem como uma das fontes o relato do naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) que esteve na Fazenda fortaleza na década de 1820, tendo comentado estes fatos em seu diário. Outro viajante que esteve nesta fazenda foi o engenheiro inglês Thomas P. Bigg-Wither, porém, no ano de 1874, na qual esta ainda possuía “suas grossas muralhas”. Neste ano a fazenda era administrada por um feitor e contava com oito escravos. “O atual proprietário da Fortaleza, como me disse o sr. Gregório [o feitor], era certo sr. Manoel Ignácio do Canto. A propriedade é de não menos de vinte e uma léguas quadradas, constituindo em campo e floresta”. De acordo com Bigg-Wither, se o Paraná tivesse umas vinte propriedades desta, ele seria uma província deserta. O viajante descreve, então, os detalhes da fazenda, mas que já não tinha os mesmos usos do passado, servindo apenas para “estágio de tropas de animais chucros, em trânsito para Sorocaba” e seu proprietário não morava mais nela (BIGG-WITHER, 2001, p.403-412).
[3] “É bem provável que Ana Luiza da Silva [mãe de Manoel Ignácio] tenha sido a maior proprietária de escravos de Castro (...)” e ainda, por ocasião de seu testamento, “sua escravaria era de cento e trinta e nove escravos, mais os seis que ganharam a liberdade conforme vontade da testadora. Dados constantes na declaração do inventariante. Uma grande quantidade de prata, utensílios, gado, cavalos, éguas, entre outros bens que fazem parte de uma grande herança” (Museu do Tropeiro, Fundos Inventários, 1851-1860. Inventário de Ana Luíza da Silva, in: VIAL, 2013, p.120 e p.125). Ana Luiza faleceu na cidade de Castro em 09/05/1856.
[4] O capitão mor de Curitiba, Lourenço Ribeiro de Andrade foi padrinho de casamento de José Felix da Silva e Onistarda Maria do Rosário (CARNEIRO, 1941, p.95). E na revolta liberal de Sorocaba em 1842, Manoel Ignácio do Canto e Silva é um dos muitos fazendeiros da região de Castro que apoiam a liderança de João da Silva Machado (futuro barão de Antonina) contra os revoltosos liberais, sendo indicado a receber a comenda da Ordem de Cristo por ajudar a defender a causa legalista. E o barão de Antonina foi um dos testamenteiros de Ana Luiza da Silva, mãe de Manoel Ignácio.
[5] David Carneiro assim se refere ao casamento de Ana Luiza, uma das filhas de Manoel Ignácio do Canto e Silva, com Bonifácio José Baptista: “Quando casou [Bonifácio] já possuía, conforme nos conta Pedro Novais, um pecúlio acumulado considerável, mas o orgulho de Manoel Ignácio do Canto e Silva era tal que achava todos os pretendentes pequenos para sua filha, o que obrigou Bonifácio, a quem fora negada a mão de Ana Luiza, a raptá-la para casarem-se em Ponta Grossa, na capela Sant’Ana. Manoel Ignácio ficou furioso, mas acabou por chegar às boas com o genro” (CARNEIRO, 1963, p.70).

Referências Bibliográficas

ALVES, Alessandro Cavassin. (2015). A Província do Paraná e sua Assembleia Legislativa (1853 a 1889): a força política das famílias tradicionais. Curitiba: Máquina de Escrever.

BIGG-WITHER, Thomas P. (2001). Novo caminho no Brasil Meridional: a Província do Paraná, três anos de vida em suas florestas e campos. 1872/1875. Rio de Janeiro: J.Olympio; Curitiba: UFPR, 1974, Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná.

CARNEIRO, David. (1941). O Drama da Fazenda Fortaleza. Curitiba: Edição do Dr. Dicesar Plaisant. 
___________. (1963). Galeria de ontem e de hoje. Livro primeiro. Galeria de ontem. Editora Vanguarda. 

VIAL, Rogério. (2013). A riqueza feminina: uma breve análise sobre as possibilidades de estudos de gênero com a utilização de testamentos e inventários do século XIX na cidade de Castro/PR. Anais do Colóquio Nacional de Estudos de Gênero e História – LHAG/UNICENTRO, Guarapuava, 2013, p.117-127. (Disponível em: http://sites.unicentro.br/wp/lhag/files/2013/10/Rog%C3%A9rio-Vial.pdf  Acesso em: 10/11/2013).
Ilustração do livro de Maria NICOLAS. Cem anos de vida parlamentar. Deputados provinciais e estaduais do Paraná. Assembleias Legislativas e Constituintes 1854 – 1954. Curitiba, 1954.

Ilustração do livro de David CARNEIRO (1941): Prisão de Onistarda.





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