segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Livros sobre a História do Brasil no século XIX

Acredito ser muito positivo como livros de divulgação da História do Brasil vêm tomando força e sendo lidos por nós brasileiros, em especial, por estudantes e professores e por possuírem grande circulação, chegando assim a muitas pessoas. 
Gostaria de salientar os livros de Laurentino Gomes. A partir destas leituras, cada leitor vai entendendo melhor seu país e aprofundando temas que vão lhe interessando. Para o meu caso, ajudando a pensar a história do Vale do Ribeira paranaense.
E gostei muito como o próprio autor destaca na frase de dedicatória no livro 1822: "A todos os professores de História do Brasil, no seu trabalho anônimo de explicar as raízes de um país sem memória". Enfim, como é fundamental ensinarmos a história de nosso país, as nossas raízes, as nossas memórias e a história de nossa região, de nossa família, a minha e a sua história.

Acabei lendo a seguinte edição: GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil. 3ª ed. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2009.

Acabei lendo a seguinte edição: GOMES, Laurentino. 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil, um país que tinha tudo para dar errado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.

 

E acabei lendo: GOMES, Laurentino. Escravidão: do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares, volume 1. 1ª ed. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2019. Inclusive com dedicatória do próprio autor e sendo um presente do Professor de História Marcelo Fitz, meu amigo.

Também destaco o livro de Patrick Wilcken, Império a deriva. A Corte Portuguesa no Rio de Janeiro, 1808-1821, tradução Vera Ribeiro, Rio de Janeiro, Objetiva, 2010. O autor é um australiano radicado em Londres e que passou longos períodos no Rio de Janeiro. Estar no Brasil certamente fez com que Patrick Wilcken se encantasse com a nossa história para assim realizar esta interessante pesquisa sobre um período crucial de nossa formação. A capa é parte de um quadro de Jean-Baptiste Debret, que retratou o Brasil no século XIX, de uma família senhorial no Rio de Janeiro.

Outra história do século XIX é a biografia da Condessa de Barral (Luísa Margarida Portugal e Barros), baiana, filha de um senhor de engenho que proporcionou educação para seus filhos. Livro escrito por Mary Del Priore e publicado também pela Objetiva. Biografias também são importantes para entendermos contextos históricos e, para este caso, a interessante vida de Luísa.

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Literatura e Sociologia

Certamente podemos compreender melhor a sociedade em que vivemos, ou uma outra cultura, através da literatura. Da mesma forma, a Sociologia, enquanto ciência, utilizando de metodologias, conceitos e teorias, nos ajuda a entender o mundo social da qual fazemos parte.

Assim, Literatura e Sociologia, portanto, podem ser complementares.

Quando terminei a leitura de "Caminhos cruzados", de Erico Verissimo, foi possível pensar nas diferentes condições sociais narradas pelo autor, através de seus diferentes personagens, isso devido a fatos sociais que os envolvem, num curto espaço de tempo de cinco dias (sábado, domingo, segunda, terça e quarta-feira), e na qual seus caminhos se cruzam, apesar das diferenças sociais e culturais, e a partir da grande cidade de Porto Alegre, na década de 1930 (o livro foi publicado em 1934). 

As diferentes condições sociais dos personagens do romance, nos fazem pensar em nossa condição social real, em nossa história cotidiana, por exemplo, no que pode nos acontecer ou o que podemos fazer num espaço de cinco dias, a partir da realidade que estamos inseridos. Da mesma forma, podemos pensar no que pode acontecer, em cinco dias, com os jovens sem emprego e drogados que passam pela minha rua diariamente; das famílias pobres e trabalhadoras do bairro;  da senhora aposentada que vive de um salário mínimo com sua filha trabalhadora; do clérigo da igreja; do casal que enriqueceu com seus negócios imobiliários, e tudo isso, numa mesma cidade; e ainda, o que cada um de nós irá ler, assistir e aprender; e, igualmente, estamos constantemente nos encontrando, uns aos outros, em atividades religiosas, nas escolas, no trânsito, na associação, numa festa, pelo trabalho, pela prestação de serviços, no comércio, e mesmo pela violência, enfim, os "caminhos cruzados", a que Erico Verissimo nomeia seu romance.

Voltando à Sociologia e sua relação com "Caminhos cruzados": como não observar as classes sociais, em termos econômicos, e suas possibilidades materiais de vida; a questão de gênero, em especial, o papel da mulher na sociedade da década de 1930; a questão moral, do comportamento, da alegria e tristeza, independente da fartura ou miséria; da questão cultural em cada família; do acesso à cultura erudita; entre tantos outros conceitos. Enfim, as relações sociais acontecem e estabelecem conexões, formando um todo. Quanto mais ciente destas conectividades, de suas possibilidades, de minhas possibilidades, melhor entendo o mundo social da qual estou inserido.

Enfim, como professor de Sociologia (no romance existe um personagem professor - não gostaria de ser como ele), procuro pensar como utilizar de um livro interessantíssimo, como "Caminhos cruzados" e sua história fictícia, com a realidade da qual estamos inseridos e que precisamos compreender melhor e, igualmente, utilizando dos conceitos sociológicos.

Historicamente, também, é possível pensar como foi a vida na década de 1930 nas diferentes cidades brasileiras, como Curitiba, como Itaperuçu, com seus personagens reais, em suas angústias e conquistas, em suas possibilidades culturais, com seus bens materiais etc.

Referência Bibliográfica:

VERISSIMO, Erico. Caminhos cruzados; ensaio introdutório de Mozart Pereira Soares. 21ª ed. Porto Alegre, Globo, 1978.

Viva o povo brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro

O presente texto deu origem a dois trabalhos, que foram apresentados no: 20º Congresso Brasileiros de Sociologia, como título: "A metodologia de pesquisa genealogia social utilizada na Sociologia e presente na Literatura" (2021), e no XII Seminário de Pesquisa - Teoria Literária, da Uniandrade, com o título: "A genealogia na Literatura e sua relação com a Sociologia" (2020).


Gostaria de compartilhar algumas impressões sobre o romance de João Ubaldo Ribeiro, Viva o povo brasileiro, publicado em 1984, período histórico de véspera do fim da ditadura militar no Brasil.

Destaco a interessante mistura de fatos históricos com o desenrolar da vida dos personagens criados por João Ubaldo Ribeiro. Por exemplo, a presença holandesa na Bahia no século XVII, o regime senhorial, as fazendas e a pérfida escravidão, os indígenas, os reis portugueses, a Igreja católica e os padres, as reduções jesuíticas e sua expulsão em 1759, o Marquês de Pombal, a Independência do Brasil, 1822, a visita do Imperador D. Pedro I e a Imperatriz Leopoldina na Bahia em março de 1826, sendo que em dezembro Leopoldina vem a falecer (viagem fatídica para Leopoldina, em especial pela presença da Titília no mesmo barco e, logo em outubro, ela recebe o título de Marquesa de Santos); o período regencial e suas revoltas, como a revolta dos malês, em Salvador, Bahia, 1835 (revolta que merece muita atenção no romance), a Sabinada (1837-1838, também na Bahia), a guerra dos Farrapos, 1835 a 1845, a maioridade de D. Pedro II, a guerra do Paraguai, 1864 a 1870, a guerra de Canudos, 1896 a 1897; (enfim, as revoltas citadas têm um aspecto central no desenvolvimento do romance), sobre o exército brasileiro, a proclamação da República, 1889, a era Vargas e a ditadura civil-militar; entre tantos outros fatos que o leitor pode encontrar, em especial a partir do local em que é ambientado a trama, na ilha de Itaparica, Bahia (ilha que também foi palco de uma das batalhas da independência, em janeiro de 1823). 
Como visto, o romance perpassa um longo período da história brasileira, entre os séculos XVII ao XX e a consequente formação do povo brasileiro. E, o paradoxo, do o povo brasileiro a sobreviver e a viver, por vezes, independente desses "grandes acontecimentos", como se não fizesse parte desta história oficial ou dela se enquadrasse, em especial quando derrotados.
Mas, o que gostaria de destacar é a questão genealógica presente no romance. A genealogia é fundamental para se compreender a longa história dos personagens e, portanto, do próprio Brasil.
Destaca-se a genealogia da ampla família brasileira do "Caboco Capiroba", filho de mãe índia e pai preto fugido que a aldeia acolheu; Capiroba é comedor de carne branca, em especial, holandês, de muitas mulheres e muitas filhas, capturado e morto na ilha de Itaparica, Bahia, em 1647, por fugir da redução e por insubordinação. Sua filha mais velha, Vu, que cuidava de um prisioneiro do pai, o holandês Heike Zernike, denominado Sinique, fica grávida do mesmo. Em 1721 nasce Dadinha, que viverá 100 anos, gangana, sua mãe foi vendida antes de desmamar, seu pai era negro, escravo, baleneiro, tinha os olhos claros, morreu no seu nascimento, provável filho de Sinique e Vu. Dadinha, bisneta do Caboco Capiroba, tem um filho temporão, Turíbio Cafubá, que tem muitos filhos e com muitas mulheres. Este filho temporão, provavelmente, teria como pai o negro Darissa da Bissínia, chegado entre 1770 ou 80, também insubordinado. Turíbio e Roxinha vão ter a filha Vevé, ou Daê ou Naê, chamada de Venância, menina linda, com a marca de estrela na testa, marca da família a gerações, estuprada pelo barão de Pirapuama, Perilo Ambrósio Góes Farinha, dono de fazendas e escravos em Itaparica, seu dono. Nasce Maria da Fé ou Dafé que, posteriormente, vê a mãe morrer por ter de defendê-la de estupro. Maria da Fé foi criada pelo negro Leléu (Leovigildo), que possui negócio próprio, dá educação a Maria em Salvador. Maria revolta-se com a vida, com o sistema, e se torna líder de um bando no século XIX, perseguida pelo governo, mito entre o povo, insubordinada, e tem um caso com o coronel do Exército, Patrício Macário, da qual nasce o filho Lourenço que continua as lutas sociais da mãe.
Enfim, a genealogia do povo brasileiro, sofrido, sem sobrenome, a superar as mazelas que lhes são impostas por uma elite econômica e intelectual extremamente preconceituosa. Mas, de uma força incrível.
Daí, paralelamente, a genealogia de Amleto Ferreira, o filho da negra professora Jesuína Ferreira (preceptora de Dafé) e do inglês John ou Henrique; Amleto era guarda-livros do barão de Pirapuama, enriquece com o seu trabalho e suas trapaças nos negócios; Amleto, mestiço, poderia ter sido o elemento novo na história brasileira (inclusive ele vê a força de sua gente), mas infelizmente prefere repetir os preconceitos e as atitudes racistas da elite escravocrata, prefere ser "branco", e compra um sobrenome, digno de sua origem: Amleto Henrique Nobre Ferreira-Dutton, quer embranquecer; é o novo sobrenome da família; e ele tem no casamento e no compadrio com os ricos, os elementos chaves para sua ascensão social e de seus filhos; e sua família rica chega ao século XX, muda-se para o Rio de Janeiro e para São Paulo, mas com os mesmos preconceitos do século anterior, e registrando sua genealogia orgulhosamente em livro (mas, adaptando a genealogia a seus interesses).
Exceção ao centenário filho de Amleto, Patrício Macário, coronel do Exército, falecido em Itaparica em 1939, guardião da Canastra, dos segredos da Irmandade, do Espírito do Homem, amante de Dafé e da comida baiana, aberto ao conhecimento que vem do povo brasileiro.
Enfim, tantas outras histórias maravilhosas ao longo do livro e que proporcionam reflexões para que possamos nos entender enquanto brasileiros e sermos menos preconceituosos. E a olhar para a nossa história a partir de seus personagens. De encontrar nossa genealogia. E cuidar ou admirar a mariposa curuquerê que de repente pousa em cada um de nós.
Por Alessandro Cavassin Alves

Referência
RIBEIRO, João Ubaldo. Viva o povo brasileiro. 5ªed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. Edição de bolso, 790 p.